Análise: Na Arca

Em Papéis Avulsos, temos uma recriação da linguagem bíblica, Na Arca. O conto Machadiano procura imitar a forma escrita e versículos da bíblia e narra a briga entre dois dos três filhos de Noé, Jafé e Sem, que com a arca ainda flutuando nas águas após o dilúvio já discutem a divisão das terra quando saírem da arca.

A briga entre os dois irmãos passa a ganhar intensidade e o terceiro irmão, Cam, tenta, inutilmente acalmar Sem e Jafé e parte para buscar seu pai e as suas esposas a fim de conciliar os dois.

Cam relata a Noé sobre a situação entre seus irmãos e ambos partem juntamente com as esposas de Sem e Jafé para o local onde se encontram os combatentes. Chegando lá, encontram estes ensanguentados rolando no chão. Noé consegue, com muito esforço, aquietá-los e os repreende deixando-os sem entender sua última frase: "Eles ainda não possuem a terra e já estão brigando por causa dos limites. O que será quando vierem a Turquia e a Rússia?" .

Em Na Arca, a força do mundo patriarcal é figurativizada por Noé. Ele exerce a função de pai e juiz. Como pai, encarna e aplica a lei e profere benção e maldição. É o que ocorre ao sancionar negativamente a ação dos irmãos, bradando: “Maldito seja o que me desobedecer. Ele será maldito, não sete vezes, não setenta vezes, mas setecentas vezes setenta’’.

A arca implica regeneração da espécie humana, que deveria viver uma nova era de paz, na qual a violência seria apenas uma lembrança do passado. O dilúvio, como castigo pela maldade humana, seria o limite entre a violência divina, usada para a própria contenção da violência humana e restituição da elevação espiritual perdida. Contudo, na própria arca, é gerada a violência que deveria ser extinta.

A violência que os irmãos levaram a cabo foi consequência da desarmonia provocada pelo desejo de posse de uma porção de terra, brigaram por alguns côvados e por uma margem de um leito de rio, sendo que eram os únicos habitantes do planeta. O desejo materialista de posse instaurou a violência entre os irmãos.