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Análise: O Alienista

O Alienista está entre conto e novela, graças à sua extensão. Já com humor e ironia. Podendo ver na obra elementos típicos da produção realista de Machado de Assis, como a crítica social e a análise psicológica. Para muitos críticos, O Alienista é uma novela (pelo número de páginas que em algumas edições), já para outros, classifica-se entre os contos machadianos, no que estão certos. O mergulho machadiano na mente de suas personagens, montando um microrrealismo, torna-o cego para questões sociais. No entanto, o conto é prova de que ocorre é a soma desses dois campos. A personalidade é influenciada por forças sociais; por sua vez, a sociedade é influenciada por razões psicológicas. Dessa forma, podemos entender a literatura machadiana como expressão de problemas psicossociais. Dentro desse esquema, se enxerga uma semelhança entre o autor e o protagonista, Simão Bacamarte, pois, como alienista, está preocupado em analisar o comportamento dos habitantes da cidade em que está instalado e como a conduta influencia as relações sociais. O mais interessante é notar aqui o caráter representativo da narrativa. Tudo se passa em Itaguaí, pequena cidade do interior do Rio de Janeiro, no período colonial. Cria-se um clima de “era uma vez”. Assim, o que se passa nessa localidade é o que no fundo ocorre em toda nossa civilização. Todo o conto se desenvolve em tom de austeridade; o autor não descerra os lábios, como aquela falada alegria do alienista, que era “alegria abotoada até o pescoço”. Pintando o Dr. Simão Bacamarte como pessoa consagrada aos livros, acatando as prescrições da ciência como dogmas de fé, e confundindo tudo na sua própria ciência, um tanto de cabala, numa difusa alegoria, figuras secundárias, mas cheias de interesse humano, e todas com papel de responsabilidade na peça.


Nem comédia, nem tragédia. Sutilmente aparecem loucos furiosos, trancados em alcovas, até a morte; loucos mansos, andando à solta pela rua. Isso, antes da chegada do Dr. Bacamarte, que viria descobrir loucura até nas pessoas normais. Aos poucos se vai insinuando no leitor a desconfiança no equilíbrio mental do alienista, em quem a cidade, a principio, acredita, vendo nele a sua grande figura, e, por isso, concordando com a sua ciência.


Para contrastar o grande homem, lá está a esposa, que o ama e lhe admira o saber, desde que permaneça abstrato, teórico, sem aplicação. Por isso, não segue o regime alimentar por ele prescrito, e tem ciúmes dos estudos que lhe tiram a primazia nas preocupações do alienista. Já o farmacêutico é a bajulação interesseira, aproveitando as manias do doutor para obter vantagens do próprio cachorro bebendo água na sombra do boi.

No mais, é o desfile de tipos humanos: o pródigo, o novo-rico, o orador de sobremesa, o ingrato, tantos outros que o leitor irá descobrindo. A revolta, com sua dose de acasos e quiproquó, propicia a exibição costumeira do adesismo, da covardia moral e das fraquezas que poderiam viver e morrer na sombra, se a comoção social não as tivesse feito desabrochar inesperadamente.


Em O alienista o escritor nos propõe o problema da fixação de fronteiras entre o normal e o anormal da mente humana. Traçando uma linha rígida de procedimento profissional, o médico Simão Bacamarte aparece como símbolo de uma ciência fria, toda baseada na razão, fechada e sem frestas para a intuição ou a poesia, como caminho de conhecimento. Em O Alienista já encontramos o Machado de Assis definitivo. Preocupado com a infidelidade das palavras, pesando-as, analisando as facetas, contra ou a favor da luz; escritor em quem, aparentemente, a linguagem é a preocupação maior, quando, na verdade, só houve preocupação de dar às ideias vestimenta adequada e autêntica.

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